O abandono é
triste.
Tenho para
mim que este sentimento não é recíproco, só o sente o abandonado.
O abandono
lento, gradual e inexplicável é ainda mais triste do que o outro: o abandono
abrupto, de uma hora para a outra, com uma causa, por mais tola que esta possa parecer.
O primeiro, não
é logo percetível para quem é abandonado e, por esse mesmo motivo, chega a ser
cruel.
O
abandonado, inocentemente, começa a achar que está doente: está só, sente um
aperto no coração, as mãos tremem sem razão e o sono corre agitado. Depois
começa a pensar que as pessoas não vão ao seu encontro porque têm as suas
vidas, os seus empregos e afazeres – tudo serve para desculpar os outros. De
seguida, e agora mais ignorante do que inocente, vem a fase da interiorização e,
consequentemente, da culpabilização: devo ter dito ou feito alguma coisa muito bera,
muito insultuosa – mas, por mais que dê voltas ao miolo, não consegue perceber
o quê.
Na fase
final, em que o silêncio e a solidão começam a ser insuportáveis, começa-se a
sondar aqui e ali, procurando respostas para as perguntas que nem se sabe
fazer.
Entre zunzums,
um puzzle começa a formar-se. Há peças que demoram para encaixar mas, safanão
daqui e dali, lá acabam por encaixar. Não é um quadro bonito, talvez por isso
demore tanto a formar-se – é o quadro do abandono, com cores escuras e
carregadas, como as nuvens que anunciam uma tempestade.
Perante
semelhante quadro, o nosso próprio olhar escurece, entristece e, finalmente, percebemos
que estamos sós porque fomos abandonados, lentamente, gradualmente… E as lágrimas
soltam-se, exasperadas, tentando libertar a dor abafada no peito. Sem sucesso,
porém.
Após a
constatação da dura realidade, tudo parece mudar. Ficamos frios. Fechamo-nos
para o mundo – agora somos nós que não queremos “os outros”. Os “outros” são
cruéis, traidores, egoístas, fúteis. Não merecem um segundo da nossa atenção.
Ainda assim,
e por baixo da melhor máscara, há uma dor que lateja, incessantemente, com a
qual aprendemos a viver, ou a “sobreviver”.